quinta-feira, 11 de novembro de 2021

O mar dentro dos sonhos


 Sei bem quem fico, Por certo oposta No qual me perco Onde se nota, Nesse riacho, Que esta sou eu... Talvez, quem sabe? 
Quando o vento fica lufando, por vários dias, sobre o rio, é sinal de que suas tiorgas vão mudar o seu curso... Elas vão desembocar no mar, por outro trajeto... Contudo, ele tem horror ao vazio, então, procura contornar as pedras, que, pelo caminho, estão, e, ao passar, consegue seguir o mesmo percurso, que sempre fez, até que suas águas cheguem ao mar e se tornem salgadas... O que deveria brotar, naquele momento, deveria ser eu mesma... Estar, ali, naquela hora e poder assistir ao entrosamento do rio com o mar... Mirando aquele oceano, o meu céu estava vazio, eu não era uma pedra e, portanto, o sol podia me  esquentar... Mas, o que resultava desse aquecimento do sol, parecia-me ser um circuito elétrico. As minhas veias, os meus nervos eram a fiação, através da qual a eletricidade corria veloz, soltando faíscas... Nada parecia interessar-me... Mas, era, apenas, um sonho, para que eu pudesse recordar o passado... Oh...lugar lindo, para que eu pudesse rememorar, onde ele me mostrava, deslumbrantemente, etapas de minha vida... Passagens maravilhosas, que, um dia, eu tive a doce alegria de palmilhar... Vontade de correr atrás, insistir... Pedir uma explicação... Mas, pedir a quem, ao sonho? Não é sempre que temos a oportunidade de que os devaneios sejam repassáveis, ainda que, dentro deles, seja como se o passado estivesse em construção e o futuro prometendo ser lindo, tal qual a onda do mar, que ele traz até a praia e nos encanta, com suas espumas bem brancas, a nos deslumbrar... Talvez, coisas que não servem para nada sejam as mais importantes... Até as sonhadas expressavam nosso temperamento vital, cheio de alento, incapaz de enxergar as sombras... Seriam elas, também, duvidas, esfaceladas, quebradas em mil pedaços, até serem forçadas, algum dia, a recolher os fragmetos e a tentar recompor as sobras... Pois, pessoas só ficariam inteiras, quando aprendessem a vencer as sombras... Em certas épocas da nossa vida, dentro de nossas noites, passeamos pelas mais lindas praias, que, antes, não conhecíamos, somente os nossos sonhares nos mostraram... 23Corre como um rio A cor do mar, em tom sobre tom, vai do verde esmeralda ao verde água clarinho, e a temperatura da água, como imaginamos, é morna e o vento está, sempre, soprando a nosso favor, levando-nos a passeios, de barco, até os lugares mais lindos do nosso passado, que, em nossa memória, ficou... Nesse mar, quando a maré desce, é a hora em que podemos mergulhar, para que possamos avistar, lá no fundo, épocas, que já passaram e enxergaremos peixes de todas as cores e desenhos... A água desse pélago é tão transparente, que dá para ver, claramente, todos os mergulhos, que já oferecemos, até aqui, no presente... Mas, quando a maré se tornou encapelada, eu sabia bem quem eu era, ilógica, no qual me perdia e, ali, me encontrava comigo mesma, nesse violento oceano e tinha a certeza de que aquela era eu... Quem sabe? E tem muito mais beleza, na imensidão desse golfo e, o que é mais belo é o sol, o tempo todo refletindo em suas águas... Poderei ter a certeza, sem dúvida alguma, de que, dentro dessa enseada, que, em meus sonhos, aparece, existe o paraíso, que é, ali, dentro dos devaneios... Então, naquela noite, dentro de meus sonhos, sentindo o cheiro do lagamar, que trazia suas ondas, com as espumas brancas e perfumadas, ví, em seu recôncavo, calmo, tranquilo, sereno, como sempre foi, em meu sono... Ouvindo o barulho das ondas, a bater nas rochas, como a pureza de um cristal, contrastando com 24Marilina Baccarat de Almeida Leão o timbre da minha voz, achei que havia encontrado o meu porto seguro... Uma base, que, com alicerces seguros, daria novo alento à minha vida, dentro desse riacho, que é um imenso oceano, onde me acho... O passado foi bom e é afável recordá-lo, principalmente, quando estou dentro dos sonhos, apreciando a calmaria do imenso mar. Isso é maravilhoso, pois são poucos que têm o privilégio de sonhar com o aguapé e tudo que há nele... Observava um garoto a jogar uma bola para o seu cão, uma criança seguia de mãos dadas com seus pais, que a erguiam de vez em quando para fazê-la voar, e suas risadas confundiam-se com o rumorejar das ondas, que o mar, generosamente, as jogava de encontro às pedras... À noite, chovera, abundantemente, o ar estava frio e nuvens carregadas e escuras corriam ao longe do horizonte... Na praia do meu sonho não havia ninguém, naquela noite... Enquanto caminhava, nas areias brancas do mar, segui em silêncio e consegui reviver o passado, onde, no mar, me achei, dentro dos meus sonhos...

Marilina Leão no livro "Enquanto Espero o Sol"

A ROSA SONHADORA

⁠A rosa tinha muita inveja das outras flores, pois, quando passava pelos jardins e observava as flores, dançando ao bel-prazer do vento, que ora soprava em brisa leve e, em outras passava com rajadas fortes, fazendo-as rodopiar...
A rosa indócil, somente queria pertencer àquele mundo, que ela admirava, mas desconhecia o porquê de haver espinhos em seu caule e não tinha como dançar com as outras flores, quando o vento chegava...
Certo dia, a rosa determinou, sem muito raciocínio, extrair todos os seus espinhos. E, mirando-se, no espelho, sem perceber o sangue, que escorria, pensou: – Estou com ar mais aprazível, um verdadeiro porte de rainha, agora poderei dançar...
E, assim, aproximou-se das outras flores, toda faceira, com um sorriso. Mas sua surpresa foi grande, quando, todas as outras flores, lhe apontaram os dedos, mostrando-lhe o sangue, que escorria em seu caule. Não era o que ela esperava... Afinal, ela era a rainha das flores, justamente pelo perfume e os espinhos...
As flores, virando-se, para ela, perguntaram, em uníssono: Retirar seus ilustres espinhos, por quê?... Eles lhe faziam, além da sua beleza insólita, a tão respeitada rainha de todas nós...
Agora, somos flores sem reinado e sem rainha, não temos a quem idolatrar e você está ferida!
A coitada da rosa, ferida, agora, sem reinado e sem coroa, por querer ser igual às outras flores, que não tinham espinhos e, sem eles, elas dançavam ao desejo do vento, livres e soltas, como ele gostaria...
Jamais seria igual às outras flores, pois tinha espinhos, mas era a rainha, com certeza, de todas elas... Não perdeu a sua altivez, não mais seria rainha, porque o que a diferenciava, das outras, era o mais importante, aos olhos de todas as flores... Os espinhos, que ela havia retirado é que a tornavam diferente...
Naquele mesmo dia, a rosa, que sentia muita dor, por causa da retirada dos espinhos, morreu... A noite se findou, um novo dia raiou, com um maravilhoso sol e outra rosa nasceu, bela, cheirosa e com todos os seus espinhos, sendo eles a sua coroa...
As flores ganhavam, agora, uma nova e reverenciada rainha... Haviam esquecido a rosa sonhadora...

Marilina Baccarat de almeida Leão, no livro "É Mais oui Menos Assim