sábado, 25 de abril de 2020

Ostentada Viração

Ostentada viração                        certos ventos têm a calma,            
Nos deixam maravilhados 
Outros reservam na alma,
Poder de serem expostos .
     Marilina Baccarat 
                               


Há ventosidades, que são exibidas, quando resolvem correr, virando as esquinas com a máxima velocidade, fazem tanto estardalhaço que parecem querer levar o que encontram pela frente, a nos envolver junto a elas...
Certos ventos chegam com calma, não fazem muito barulho, e nos deixam maravilhados, ao senti-los que estão a acariciar nossas faces... Mas, há sopros, que se acaçapam e se misturam às folhagens do outono, como se estivessem fazendo as folhas dançarem; batem no solo e jogam poeira em nossos olhos, e, ao sermos açoitados por eles, não conseguimos compreender o porquê da agressão...
Existem virações antigas, que, ao longo da nossa vida, dobramos as arestas a favor delas. Elas sopram, com tanta força, que parecem dar o tom, para que um coral entre e entoe lindas canções, com várias vozes, sempre arrumando uma maneira de ventar, sempre, a nosso favor... 
Há ventos recém-chegados, que parecem deixar suas bagagens no chão, e correm para nos abraçar, pois já nos conhecem há muitos anos, chegam com uma brisa bem leve e logo se transformam em uma ventania, batendo direto em nossa alma...
Esses são ventares, que são velhos conhecidos nossos, sabemos, até, o tempo em que eles aparecem, como gostam de caminhar, e a quanto costumam correr. São sopros quase sem surpresa, sopram contra nós, com a mesma mania de nos incomodar... 
Constituem em uma ventania, da qual nós reconhecemos o cheiro, quando se aproxima, o barulho dos seus passos aproximar-se, a atmosfera, que lhe antecipa a chegada... Uma rajada, que bate de frente, olhando em nossos olhos, e perguntamos sem eufemismo: – Você, novamente? – Outra vez? Pois é, ele de novo, é um favônio que, às vezes, parece que não vai passar nunca... Há dias em que gostamos, outros não... O que não sabemos a respeito daquela ventosidade, era o porquê de soprar tanto, abrindo, assim, uma dor que ela mostrava existir..., que amargura era aquela que se estendia, em um vaivém cada vez maior, para tantos pontos de nós... 
Mas, em uma certa manhã bem fresquinha, com o céu azul, a enfeitar o dia, de repente, o sol se esconde por detrás das nuvens escuras, que pareciam estar cheias de chuva, parecendo uma dança simultânea, entre eles e tudo que se passava em nosso íntimo...
Lá estava ele, de novo, o velho vento conhecido nosso... Mas, agora, foi surpreendente, pois não ouvimos os seus passos, não sentimos o seu cheiro, apenas sentimos, em nossas faces, a forte brisa, que parecia trazer uma mensagem:
 – Olhe para os seus sentimentos, eles os acompanharam durante toda a vida... Era uma lufada, onde não cabiam palavras, apenas um entendimento, que só acontece, quando é possível sentir a harmonia daquele momento... Tivemos a percepção de que estávamos em um ambiente completamente escuro, onde as cortinas se abriam e uma grande orquestra iniciava uma sonata... Para nós, parecíamos estar dentro de um adágio, numa busca em que nos sentíamos desesperançados, onde os maiores vendavais não seriam capazes de nos ajudar a sair daquele lugar... 
Até que a refega se acalmou, chegou o momento em que conseguimos alcançar a claridade, naquela escuridão e pudemos entender o que a ventania queria nos dizer... Entendemos o porquê daquele zéfiro exibido, que soprava tão forte... Ainda, ali, parados, sentindo a luz do sol, que despontava no horizonte, desejávamos desistir da companhia do estadeado vento, ao qual nos apegávamos, pois, já conhecíamos a sua fragilidade... Na expectativa, acompanhada da frustração, em que ele nos envolvia, tentamos encher aquele espaço vazio, com tantas emoções incapazes de preenchê-lo, manter aberta as janelas, até que ele pudesse voltar e com calma, em uma brisa suave, acariciar as nossas faces e curar o pavor, que sentíamos desses furacões...
Não, aquele ventar, que aguardávamos, chegando e arrancando as grades das janelas, entrando, trazendo, com ele, todos os anseios, não viria mais... A possibilidade desse exibido chegar, viria somente com a nossa aceitação. Do nosso desapego e do nosso autopreenchimento, de nós mesmos... Naquele momento, aceitamos que o exibido voltasse, escolhemos não desistir. Deixamos as janelas abertas, para que ele entrasse. Ainda não sabíamos, exatamente, como iriamos fazer, contudo, estávamos confiantes de que, de alguma maneira, ele voltaria...
A noite já havia jogado o seu manto estrelado, sem o vento e sem a lua, mas foi a primeira vez que o vento levou nossa ilusão de termos a felicidade... Mas, sabíamos, demoraria um pouco para que ele viesse novamente, sanar a falta que sentíamos desse ostentado vento, como, sempre, acontecia... 
Naquele tempo, sentimos que o sol voltaria a aparecer junto com a aragem, embora fosse provável que ainda demoraria atrás de algumas nuvens... 
Entre tantas ventanias ostentadas, experimentamos um afetuoso apreço, pela capacidade que a vida tem de se renovar, mesmo quando é passado algum tempo, sem que tenhamos o estadeado vento, a arrancar as grades das janelas...

Texto de Marilina Baccarat de Almeida Leão, no livro "Vertices do Tempo" página 26


Nenhum comentário: