sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Somos rio, somos mar


Somos rios e mares

É fácil, nos dias de primavera ou verão, deportar esse espectro das marés violentas, para as extremas fronteiras das nossas compaixões, pois somos como o rio, ele, também, tem suas lástimas...Suas águas são luminosas. Mas, quando o sol se afasta, ao findar do dia e o crepúsculo chega, com suas noites geladas, suas mágoas são profundas... Ele sente sua fragilidade, ao ver os barcos ancorados e tudo se torna nostálgico para aquele rio..
Assim, somos nós, sentimos a nossa debilidade,quando a gélida noite chega e nossos dós começam a mostrar-nos a triste cena da escuridão, em nossas vidas... Tudo, então, se torna mais difícil, somos tão frágeis quanto ao rio. Qualquer barulho, nessa obscuridade,transforma-  -nos em pedaços. Nossos corações se modificam em fragmentos de tristeza, pois a noite é melancólica...Somos como o rio, ele com suas águas estacadas e, nós, com nossos sangues parados em nossas veias, esperando a luz do raiar do sol...Assim como o rio, esperamos a luz tornar-se,então, nossa companheira, nossa amiga, nosso contraveneno...O rio e nós ficaremos com luminosidade até as tardes tornarem-se timidamente mais claras. Até que os pássaros comecem a cantar, despedindo-se do dia, que se finda...Livramo-nos, pouco a pouco, dos aniquilamentos, que se formaram em nossos corações, com a escuridão, sem a claridade das estrelas... Assim, o rio, também, se libera dos alagamentos e, na penumbra, espera o dia raiar...
Somos como o rio, com nossos olhares surpresos, mordazes, pareciam, certamente, que saíram diretamente do coração... Conforme a noite passava, procurávamos entender o que teria acontecido com o rio, pois tudo estava silencioso, somente o barulho dos barcos, batendo uns nos outros, quando passava uma rajada de vento...
Mas, ao amanhecer, suas águas começaram a se agitar, vindo com força da cachoeira. Então, os barcos, que, lá, estavam ancorados, começaram a navegar e tudo se fez novo, o dia e o rio...
Somos, também, assim... Quando o sol desponta no horizonte, iniciamos os nossos banzés, com nossas alegrias e sorrimos muito... O rio é belo e forte, com traços marcados e regulares, enquanto nós podemos dizer que somos atraentes, tal qual o rio e suas beiradas floridas...
Mas, somos, também, como o mar, que, em sua imensidão, recebe o rio com pompas e circunstâncias. Suas águas têm a cor da esmeralda, que representa a esperança... Ele tem a perspectiva de que o rio não falhe, que traga suas águas doces, para que se tornem salgadas... E o rio não pode falhar, quando desce pelo seu leito, com suas águas azuis e, ao se encontrar com o mar, a maravilhar nossos olhos, ao vermos a junção das duas águas. Uma parte azul, representando a calma, e a outra, cor da esperança, que é o que sempre desejamos...
Assim, somos nós, parte rio, outra mar, temos a calma, que nos acalenta, e a espera de sempre podermos alcançar o que desejamos... Quantas vezes, ficamos um bom tempo respirando fundo, ouvindo o reconfortante barulho da maré bater em suas pedras, como se estivesse tocando uma música, a nos acalentar, quando tanto precisamos de calma, para colocar nossos pensares em ordem...
Mas, quando suas ondas estão agitadas, nos remetem ao pavor, pois são gigantes e parecem querer engolir tudo, que encontra pela frente... Ele tem vontade própria... Sempre muda, uma hora está revolto, em outra, está tranquilo. Em certas horas, as marés resolvem mudar e, de fleumas, elas se tornam agitadas...
Assim como o mar, nós, também, mudamos com o tempo. Vamos deixando de escutar algumas pessoas, vamos selecionando as músicas, que queremos ouvir, onde queremos passear e nos divertir.... Mudamos nossa maneira de vestir-nos, o nosso modo de caminhar... Não nos importamos mais com as opiniões de quem não nos tem nada a acrescentar...
Transformamo-nos muito, adquirimos mais desenvoltura para tratar os assuntos, que a nós interessam. Escolhemos as trilhas, que devemos seguir, e com muito mais sabedoria... Por isso, somos como o rio e o mar... Conquistamos a nossa tão sonhada autossuficiência, assim como o mar e o rio usurpam as suas...
O rio tem a sua evolução, nasce calmo no alto da cordilheira e, ao descer, forma uma linda cachoeira, até desembocar em seu leito...
O mar, sendo imenso, evoluiu até aprender a conviver com suas maretas violentas, que, quando estão encapeladas, provocam o mar, para que ele fique agitado...
Assim somos nós, se somos açulados, ficamos revoltos. As ondas de tristezas não nos atendem para que se sosseguem e nos deixem sossegar, para que possamos viver acomodados, almejando a placidez...
Podemos comparar-nos com o rio e com o mar. Algumas vezes, somos um riacho de montanha, corremos afoitos, formando, dentro de nós, verdadeiras cachoeiras... No entanto, em alguns dias, somos mar, ora plácidos, preguiçosos... Em outros tempos, faremos muito barulho, quando as ondas de amarguras desejarem sufocar-nos...
Somos rio e, também, mar. Um rio, que poderá ser modesto demais, propagando a calma... E um mar, que poderá tornar-se rebelo, dando-nos a vontade de fugir para bem longe, a enfrentar as ondas de estorvos...
Marilina Baccarat de Almeida Leão, no livro  "Corre como um Rio" página 13

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