Saudades Imagináveis
Saudades, que habitam em nós, são gravadas a
ferro, dentro da nossa essência, ferindo-nos...
Muito melhor seria, se as tivéssemos gravadas
a ouro, dentro do nosso peito, a tê-las, que explicar,
para quem não as vê. Não sentem o que sentimos...
As saudades, somente nos pertencem e só nós
sabemos como se apresentam, dentro do nosso imo...
É como se a nossas mãos estivessem escrevendo, em um papel imaginário, tudo o que o nosso eu
sente... São saudades sinceras, temos certeza..
Elas nos assustam, nos dão as mãos e nos levam
a viajar por caminhos frios e tristes...
E lá vamos nós
a percorrê-los, sentindo uma apunhalada no peito...
As saudades são tão sinceras, que nos espantam,
nos magoam e acabamos acostumando-nos com elas.
Por não saber abandoná-las, dizemos a nossa verdade, o que estamos sentindo e aprendemos a conviver
com elas...
Não a aceitamos, mas, convivemos com essa
dor, que, a cada dia, tira-nos um pedaço da nossa
vida, levando-nos por vales escuros...
Todos nós temos uma definição, que nos permite existir, e esse rótulo é a nossa tábua de salvação....
Graças a ele, navegamos pelos tumultos da saudade, do dia a dia... Conseguiremos chegar ao estuário,
onde nos encontraremos com as marés calmas, sem
enlouquecermos... Pois não as aceitávamos...
Nos longos invernos da solidão do nosso “Eu”,
muitas vezes, perguntamo-nos, a nós mesmos, com
a alma dorida: – Como seriam os dias à nossa volta,
se fossem vistos pelos olhos alheios?...
A saudade é
como um vento, que surge sem que estejamos esperando, levando a alegria e trazendo a nostalgia...
Quando a noite começa a devorar a tarde, as
pessoas, de repente, descobrem que estão com saudade da luz. Então, as ruas, as casas, colinas e vales se
transformam no sinal dessa falta de luz...
Luzes, cada vez mais espalhafatosas, transformando a comedida atmosfera da noite, no alegre
cenário de uma festa, que é iluminada pela luz das
estrelas...
Tudo é silêncio, quando a saudade habita em nós.
A nossa natureza fica mergulhada numa espécie de estupor. Até o barulho, mais próximo, parece vir de bem
longe. Mais que os ruídos, são as nossas dores...
Não queremos lembrar de muitas delas, mas,
elas chegam, sem a gente querer... Elas saem num
turbilhão de seus esconderijos, e se alojam em nosso
eu, pois, são frias, como o inverno na montanha...
No entanto, machucam-nos, embora, às vezes,
o façam sem que desejemos... Que nos mostrem a
verdade, que traz, com ela, ferindo o nosso ser...
Os pesares, que sentimos, muitas vezes, nos assustam, não que estejamos sempre preparados para
recebê-los. Não! Não estamos. Apenas, aprendemos
a conviver...
Ninguém tem coragem de se lembrar da saudade, é melhor deixá-la esquecida, em um canto qualquer de nós mesmos... Pois não gostamos de lembrar
de certos acontecimentos, certas nostalgias...
Quando nos lembramos, o nosso coração fica
dorido, com uma dor profunda... Talvez, a lei da saudade não seja tão diferente das leis da metereologia...
Assim, como o ar tende sempre a passar de um
área de alta pressão, para uma de baixa, da mesma
forma, cria-se, em nós, de repente, esse vazio... E é
um vazio, que atrai a melancolia...
Não gostamos de lembrar da saudade. Os longos meses de solidão, até aprendermos a nos acostumar com ela... Preencherem o nosso eu...
Então, preferimos fechar os olhos e viver em um
mundo irretocável, sem lembrar dela, sem pensar...
Acontece, porém, que as saudades não se escondem, gostam da solidão... Procuram companheiras, para não ter que ser hipócritas, enfrentando pessoas, que não querem aprender a conviver com elas...
A sinceridade das saudades é absoluta. Igualmente, elas querem mostrar a verdade, para todos...
Por isso, às vezes, as pessoas se cansam de sentí-
-las, querem comandar seus quereres, deturpando-as, não querendo sentir a sinceridade, que há nelas. Preferem esquecê-las, a pressentí-las dentro de si... É certo que cada um sente saudades diferentemente. Ou as camufla. Ou, simplesmente, as deixam
lá, quietas. Procuram não as sentir... E, a cada dia,
afastam-se um pouco mais desse mundo frio, que é
o das saudades... Sendo que elas são sinceras e nos
mostram tudo, com muita clareza...
Muitos preferem o ópio do silêncio, que corre
em suas veias, à sinceridade das saudades,
que nos remetem a lugares, por onde, antes,
caminhávamos com as alegrias, mas, agora,
temos a franqueza das saudades, a nos
acompanhar...
Marilina Baccarat de Almeida Leão, no livro "O Eu de nós" página 29
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