segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O Fluir da Água


O FLUIR DA ÁGUA
           

  Gosto de comparar a minha  vida ao manar da água... Agora sou um riacho de montanha, corro impetuosamente saltando de pedra em pedra, formando corredeiras, o barulho do meu corpo, quando pulo pelas rochas, preenche o ar desde os cumes até os acodes... Algum dia, no entanto, me tornarei  rios de planície, calmos, repletos, preguiçosos, e já não farei mais barulho, a não ser o  farfalhar produzido pelo vento, ao acariciar as folhas dos salgueiros, que ficam em minhas margens...
Isso seria muito desagradável, pois um ribeiro  de planície, calmo e preguiçoso, não seria para mim... Gostaria mesmo de ser uma torrente que desce pela montanha e que eu pudesse pular de pedra em pedra, a contemplar a fauna e o seu verdor...
Esse regato assemelha-me a ser modesta demais, muito pequena, e, além disso, eu abomino a ideia de acabar no raso...
Não almejo ser um afluente, quero ser um ribeirão que desemboca diretamente no infinito  oceano...
Minha paixão é pelo rio... Aspiro passar horas observando a extraordinária fauna, que posso admirar em seu caminho. Botos-cor-de-rosas que erguem-se ao longo do seu curso...
Deixe-me alegremente ser uma  torrente que desemboca no grande oceano, pois não são todos os riachos  que seguem para o mar...Alguns ribeirões têm o objetivo de abastecer lagos, lençóis freáticos e, por isso, não chegam até o mar, mas esse rio eu não gostaria de ser...
Ainda que, nesses regatos que não chegam até o mar, a flora é maravilhosa, bandos de aves de  vários tipos, alçam voos ali...Mesmo assim, não gostaria de sê-los.. Há torrentes que somem mergulham numa voragem, para só ressurgirem  quarenta quilômetros depois...Eu jamais gostaria de ser um rio assim, violento,  sumir e aparecer muito tempo depois...
Não gosto das coisas que somem... Tenho medo de desaparecer, pois sendo um afluxo  calmo, que caminha para o mar, esse sim, eu almejaria ser, sempre... Gostaria de ser um flúmen  que, com sua correnteza tranquila, eu pudesse seguir apreciando suas margens, suas floras e os peixes a me cumprimentar... Todos os rios são belos, desde o começo do mundo, pois estamos cansados de saber... Nunca deixarei que se tornem  adversos...

E se algum dia, o rio se tornar hediondo...Então fugirei para bem longe, não serei rio, e sim fumaça...Um belo dia o oceano vai acordar e, no meu lugar, encontrará um leito vazio...

Marilina Baccarat no livro "Corre como um Rio" página 33
























          SÓ ENTÃO EU COMECEI

   
      Me perdi exatamente no momento em que comecei a navegar por este rio abaixo... Só sei  que tudo começou  quando o rio sorriu para mim, eu já conhecia o seu sorrir, mas havia esquecido como era... Comecei a navegar nessas águas estéreis que, com os braços do rio feitos de águas tranquilas, fez calar a minha alma... E foi então que comecei a ouvir o canto dele, quando contornava os obstáculos... Um canto cheio de candura que o flúmen nos presenteia, quando vai de encontro ao mar... Principiei a singrar, mas nenhuma pessoa inicia a navegar antes do instante em que as águas estejam calmas... Só então comecei  a entender o que é este rio que habita em mim... Não importa com que águas eles venham... Ele simplesmente está lá... Não consigo saber exatamente, em que momento comecei  a navegar por suas águas abrandas.Somente Abanquei a recordar de suas margens e o céu que estava bem azul, sem nuvens e sem as brumas, a me impedir a visão... Deslizei perto de suas margens, a sair de meus caminhos  inabitados...E ao olhar, ainda que com timidez, para todas as paisagens, compreendi que havia um motivo, para que o ribeirão estivesse ali, a minha espera... Ninguém  poderia me ensinar a compreender este rio, que  com o passar do tempo soube me ensinar a entendê-lo, pois só é possível  compreender o rio, quando olhamos para ele com suas águas fleumas... Comecei a entender o respeito e a reverência que a experiência nos dá, quando em suas águas serenas sabemos navegar... A dar-me conta da deleita, que eu deixei que passasse despercebida durante a descida que fiz pelo rio afora singrando suas águas tranquilas... Agora não tenho tanta pressa, quero aproveitar suas paisagens, o céu azul e o sol a brilhar...Eu sou o navegar e o navegante, por esse flúmen afora... Não marquei no relógio, o momento que comecei a atravessar esse riacho...Só sei que comecei a querer brincar com suas águas, com uma percepção mais nítida do que é o sangrar   suas águas, mas também com um olhar mais sereno para o prazer de navegar serenamente, por suas águas serenas, a nos acalentar... Ostentar a ambição de navegar a cada manhã, tendo a certeza para o quê estou caminhando e comprometida com o sulcar, nas águas desse emito... Decididamente, cansei de de perambular por outros rios, sem um acordo seleto. E comecei a navegar por este rio, onde encontrei as águas atenuas... Assim, comecei a compreender de onde vim e a desejar mais a navegar aqui, a cada instante...Descobri então, que o antigo emito, está longe daqui, da minha própria essência... Segura estou em meu barco, neste rio onde as margens são floridas e sem que eu perceba, estou o tempo todo instituindo o que vivo...Que o meu navegar por este rio seja o gesto de uma vida toda, tentando chegar, através dele, até o oceano, que me levará para o outro lado do mundo... Não importa todas as curvas que já fiz descendo este rio, so sei que não me importo com o relógio, pois quero singrar as águas deste rio, até que eu possa chegar ao mar, onde eu poderei ver o nascer da lua...          O que me importa é o momento de poder ver o mar...É longe, o rio é comprido, mas seguirei até poder alcançar o oceano e atravessá-lo...Ao ouvir o canto do rio tenho a certeza, de que logo chegarei...Suas águas estão calmas e antes do anoitecer chegarei e poderei admirar o oceano.. Não sei exatamente, se o mar vai me dar a mão, para que eu possa atravessá-lo e, do outro lado, encontrar lugares distantes, que sempre esteve em minha alma...Se tenho medo?...Sim, o tenho, mas sei que começo a despertar antes do instante em que alguma coisa em mim consegue deixar a mostra o truque que o medo me faz...Então, eu começo devagarinho, para não assustar o medo, a refazer a trilha que me leva a enxergar as estrelas e querer presentear o mundo com seus brilhos do canto que o rio entoa Começo a entender o que é esse sol que nos encanta, quando reflete seus raios nas águas do emito... Não importa com que vestimenta o rio se veste, ele está lá, a me esperar, para que eu lance a minha canoa em suas águas, e ele me leve a navegar.:Que eu tenha o prazer, de poder admirar a paisagem de suas margense e que ele me leve a navegar, até que eu possa alcançar o oceano e abarcar do outro lado... Assim, poderei conhecer todo o mar e, do outro lado encontrar quem eu desejo abraçar...



Não sei em que instante comecei a despertar a minha vontade de navegar por este rio... Comecei a querer brincar, de  sulcar em suas águas, mais nítidas do que é o divertimento, mas, com o olhar mais puro para o que é o prazer de navegar, por suas águas...


       



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